Dos Trópicos para a Universidade de Lisboa - crónica de Jorge Malheiros

Da Universidade de Lisboa para os Trópicos, dos Trópicos para a Universidade de Lisboa: divulgar um património científico e cultural diverso, colocando-o ao serviço da investigação, da criatividade, do progresso e da justiça social.

O contributo dos docentes, investigadores, estudantes e funcionários da Universidade de Lisboa para o estudo científico de fenómenos e processos caraterísticos da zona inter-tropical, num sentido geográfico, mas também das ciências naturais e sociais, tem sido uma constante cujas origens remontam a instituições que antecedem a génese formal das antigas Universidades de Lisboa (em 1911) e Técnica de Lisboa (em 1930). O Museu Nacional de História Natural e da Ciência (que integra o Jardim Botânico de Lisboa), assim como o Jardim Botânico da Ajuda e o Jardim Tropical de Belém, possuem espécimes e coleções com origem nos Trópicos que atestam a importância das recolhas e da investigação desenvolvida ao longo de décadas nestes domínios. O Instituto Superior de Agronomia (ISA) e a Faculdade de Medicina Veterinária, herdeiras de instituições de ensino superior que precedem a ULisboa, têm décadas de trabalho especializado no domínio das culturas agrícolas, das plantas e das doenças animais dos trópicos apoiadas em projetos de investigação e divulgadas em publicações científicas. E isto vai de par com a constituição de coleções notáveis de terras, madeiras, plantas e fotografias que registam elementos e processos com detalhe e rigor científico, tantas vezes combinados com uma estética de grande beleza.

Mas também nas Humanidades e nas Ciências Sociais, a investigação científica sobre as artes, a literatura ou os processos socio-espaciais são uma constante na Universidade de Lisboa. Na Faculdade de Letras, os trabalhos sobre a história de África, as literaturas africanas e Brasileiras e os crioulos vêm sendo desenvolvidos desde há muitas décadas. O Centro de Estudos Geográficos, unidade de investigação do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, produziu estudos e possui um rico acervo de mapas e fotografias sobre os territórios, os processos de transformação urbana e a geomorfologia dos diversos países de língua portuguesa. No Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, há uma coleção relevante de trabalhos sobre diversos aspetos da antropologia e das culturas africanas. E a integração de investigadores e coleções científicas na área das ciências naturais, da cartografia e da documentação histórica e social oriundas do antigo Instituto de Investigação Científica e Tropical (IICT) na Universidade de Lisboa, com destaque para o Instituto Superior de Agronomia e a Faculdade de Letras, em 2015, reforçou e diversificou mais ainda o já rico acervo relativo aos vários domínios do mundo tropical existente naquela instituição.

 

Acampamento junto à foz do Cunene no Deserto do Namibe, Angola, 2018.

Fotografia de Carlos Neto, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, captada no âmbito da expedição organizada pela Universidade de Lisboa ao sudeste de Angola. Apresentada na exposição “De Lisboa para os Trópicos”.

 

Mas seria redutor pensar o trabalho sobre os trópicos na Universidade de Lisboa numa perspetiva meramente histórica ou desprovido de uma vertente marcada pelo pensamento crítico e o contributo para a mudança social.

Nos dias de hoje, uma diversidade de projetos de investigação mono e interdisciplinares de ponta sobre problemáticas que envolvem o mundo tropical são desenvolvidos pelas várias unidades orgânicas, frequentemente em cooperação com instituições locais, incluindo-se aqui os trabalhos sobre efeitos das alterações climáticas na regiões tropicais, práticas agrícolas sustentáveis, riscos naturais e processos de extinção de espécies endémicas dos trópicos trabalhados na Faculdade de Ciências, no ISA e no Instituto Superior Técnico (IST), ou os estudos epidemiológicos sobre a malária levados a cabo pela Faculdade de Medicina. Na Faculdade de Arquitetura, são vários os trabalhos e projetos sobre desenvolvimento urbano e formas informais de habitat nas cidades do mundo tropical, emergindo também uma prática continua de formações avançadas em diversas temáticas e graus, que envolve praticamente todas as escolas e institutos da ULisboa, desde o Instituto Superior de Agronomia e da Faculdade de Direito até à Faculdade de Farmácia e ao Instituto de Educação.

E se a investigação científica sobre as questões tropicais tem génese e desenvolvimento no quadro do colonialismo português, identificando-se diversos trabalhos nos domínios da antropologia, geografia ou administração pública produzidos na ULisboa que dão suporte às lógicas imperiais e coloniais, a existência destes registos e acervos é fundamental para construir a investigação histórica e social sobre este período, designadamente a que proporciona uma análise crítica, por exemplo no âmbito dos estudos pós-coloniais desenvolvidos no Instituto de Ciências Sociais, no Instituto Superior de Economia e Gestão ou na Faculdade de Letras.

Ademais, porque a Universidade de Lisboa tem sabido ser sempre mais do que um espaço fechado de ensino e investigação científica, possibilitando a emergência e o desenvolvimento de culturas alternativas comprometidas com a mudança social apoiadas no debate crítico promovido, em primeiro lugar, por diversas gerações de estudantes, aquela também se constituiu como lugar de crítica ao colonialismo e à guerra colonial, juntando estudantes europeus e africanos ainda antes da instauração da democracia em Portugal, em 1974. Entre as Faculdades da Universidade de Lisboa (antiga) e da Universidade Técnica de Lisboa, e a Casa dos Estudantes do Império, encerrada pela ditadura salazarista em 1965, estudantes como Francisco Tenreiro (são-tomense), Amilcar Cabral (guineense), Agostinho Neto (angolano), Joaquim Chissano (moçambicano) e Pedro Pires (cabo-verdiano) desenvolveram, frequentemente em articulação com colegas europeus, atividade científica e cultural que se cruzou com os ideais da descolonização, da valorização das culturas e identidades africanas e, também, da crítica ao nacionalismo metodológico e ao eurocentrismo. É também este ideal de interação crítica e construtiva na diversidade, simultaneamente disciplinar e geográfica, envolvendo o Norte e o Sul globais, que o CTROP pretende promover.

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